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Empregadores e administradoras divergem sobre mudanças no vale-refeição
Prática implica aumento de taxas cobradas por restaurantes, com ônus final para o trabalhador
Empresas intensivas em mão de obra estão em um embate com companhias administradoras de benefícios. O imbróglio ocorre porque a portaria do Ministério do Trabalho nº 1.287, de 27 de dezembro de 2017, acabou com a oferta de descontos nos contratos de vale-refeição e vale-alimentação. A decisão pode reduzir os preços dos produtos nas gôndolas dos supermercados e das refeições nos cardápios de restaurantes nos próximos meses, dando um alívio ao bolso dos consumidores.
Até a edição da Portaria nº 1.287, do Ministério do Trabalho, de 27 de dezembro de 2017, um empregador que quisesse oferecer, por exemplo, R$ 100 de voucher aos trabalhadores negociava um repasse de R$ 95 com a empresa de benefícios. Os R$ 5 de desconto eram compensados pela administradora de serviços, nas taxas cobradas de supermercados e restaurantes cadastrados para receber pagamentos com cartões de vale-alimentação e vale-refeição.
Em média, as taxas cobradas dos lojistas pelas empresas de benefícios são 1 ponto percentual superiores à dos cartões de crédito, que estão em 2,6%, segundo dados da Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs). Na prática, essa diferença de taxas é repassada para os preços dos cardápios e dos produtos — e, no fim, quem paga a conta é o consumidor.
Com a edição da norma do Ministério do Trabalho, o desconto não pode mais ser negociado e os contratos vigentes precisam ser revisados. Um executivo do setor de benefícios detalhou que os pedidos de desconto se intensificaram durante a crise e foram vistos pelos empregadores como uma possibilidade de redução de custos.
Subsídio
Ele explicou, entretanto, que a medida criou um subsídio cruzado, porque as empresas que oferecem aos empregados os cartões de auxílio-alimentação ou refeição, por meio de Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), têm direito a um abatimento de até 4% do Imposto de Renda relativo ao valor que repassa para os vouchers.
Dados da Associação Brasileira das Empresas de Benefícios ao Trabalhador (ABBT) mostram que 22 milhões de trabalhadores, de aproximadamente 223 mil empresas, devem receber os auxílios alimentação ou refeição em 2018 por meio do PAT. Com isso, são injetados na economia R$ 85 bilhões, por ano. Procurada, a ABBT informou que não se pronuncia sobre assuntos envolvendo as práticas comerciais das empresas associadas.
A portaria do MTE desagradou a alguns empregadores, que fazem lobby para derrubar a medida. Entretanto, o presidente da União Nacional de Entidades do Comércio e Serviços (Unecs), Paulo Solmucci, avalia que a norma editada é necessária e chegou com atraso. Ele lembrou que a distorção existente, com empresas se beneficiando de incentivos tributários e descontos nos contratos, lesava os consumidores, que eram obrigados a pagar a conta final.
Solmucci detalhou que a prática de descontos nos contratos penalizava principalmente os pequenos empresários. “As grandes redes de restaurantes e de supermercados pagam um quarto da taxa das pequenas empresas. E o trabalhador que recebe o benefício paga a conta no fim de tudo”, disse. Para ele, a medida deve implicar queda nas taxas cobradas dos lojistas e pode ser repassada para os cardápios e as gôndolas. “O impacto deve ser positivo, com maior aceitação dos cartões de auxílio pelos lojistas”, destacou.
Gastos
Pesquisa da ABBT mostra que os brasileiros pagaram, em média, R$ 34,14 para fazer uma refeição fora de casa em 2017. O valor é 3,64% maior do que o apurado em 2016. São levados em conta, para chegar ao preço final, o valor médio do prato, bebida, sobremesa e café. Considerando 22 dias úteis de trabalho em um mês, o trabalhador tem que gastar R$ 751,08 para se alimentar fora de casa.
O trabalhador de Campo Grande que usa voucher refeição é o que menos gasta em todo o país para almoçar fora. O preço médio da refeição completa sai por R$ 26,23. Em Brasília, o custo de comer fora de casa chega a R$ 34,78.
De acordo com a pesquisa, a cidade mais cara é Florianópolis (SC), onde o valor médio da refeição completa é de R$ 40,85. A pesquisa foi realizada com base em dados de 4.587 estabelecimentos de todo o Brasil, que servem almoço de segunda a sexta-feira e aceitam voucher refeição. Foram coletados 5.273 preços para chegar ao valor médio.
Margens baixas travam preços
A possibilidade de queda de preços nos restaurantes é vista com algum ceticismo por empresários do setor. Muitos alegam que os custos têm pressionado as margens, sobretudo com gastos com energia, água e alimentos. Além disso, dizem que primeiro é preciso que as empresas de benefícios reduzam as taxas de desconto para que o debate sobre queda no valor das refeições e de produtos nas gôndolas comece a ocorrer.
Um empresário do setor de supermercados que não quis ser identificado explicou que a eventual queda nas taxas de desconto não deve ser repassada aos preços dos produtos porque as margens dos lojistas estão apertadas. Ele ressaltou que a inflação dos últimos anos, sobretudo de tarifas administradas, estrangulou os ganhos. “Com a crise ninguém conseguiu repassar os custos para os preços e tivemos que reduzir as margens. No Brasil, ainda temos um problema enorme, de falta de segurança e furto de mercadorias, que também compõe o valor final dos produtos”, disse.
Para um dono de restaurante, que preferiu o anonimato, a medida pode trazer um tímido alívio, mas está longe de ser suficiente para redução de preços. Ele explicou que os custos com aluguel, luz, financiamentos e contratos para a abertura de bares e restaurantes têm subido anualmente e que os reajustes nos cardápios não são dados na mesma intensidade. “A crise reduziu bastante o faturamento, precisamos dispensar mão de obra e ainda estamos nos equilibrando. Também precisamos ter certeza de que teremos redução nas taxas de desconto cobradas pelas empresas de benefícios”, disse.
O gasto do brasileiro para comer fora de casa continua em alta em relação a outros custos. No ano passado, esse item subiu 3,83%, conforme o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). A varição é superior à inflação do período de 2,95%.