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O que podemos esperar da economia em 2023

Para economistas, inflação e juros altos devem frear os negócios, especialmente os mais dependentes de crédito, como as concessionárias de carros e as lojas de eletroeletrônicos

Com a enxurrada de más notícias envolvendo gigantes do comércio, não é difícil de adivinhar qual é o assunto mais comentado nas rodas de conversas de empresários neste ano.

Se as grandes empresas, como Americanas, Marisa, Tok & Stok, enfrentam toda essa crise financeira, o que será de redes pequenas e médias e de quem tem uma loja só.

O copo está meio cheio ou meio vazio, perguntam, considerando indicadores econômicos, como inflação, taxa de juros, inadimplência, disponibilidade de crédito, emprego e renda.

Economistas ouvidos pelo Diário do Comércio falam em “perspectivas não muito favoráveis ao consumo”, principalmente por conta da dobradinha inflação e juros em patamares elevados.

“A economia está estruturalmente lenta, com pouca força de arranque, depois de tanto tempo com juros na estratosfera”, afirma Fábio Silveira, sócio-diretor da MacroSector Consultores.

“Parece que a inflação se cristalizou próxima de 6%, e não acredito que ficará abaixo disso ao final deste ano”, diz Fabio Bentes, economista da CNC (Confederação Nacional do Comércio).

“O país, que cresceu 2,9% em 2022, deve crescer perto de 1% neste ano. O ano deve ser apertado para o varejo”, afirma Ulisses Ruiz de Gamboa, economista da ACSP.

“Setores que dependem de crédito, como concessionárias de carros e lojas de móveis, devem sofrer mais neste ano”, diz Guilherme Dietze, assessor econômico da Fecomercio SP.

INFLAÇÃO

O IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) de março, de 0,71%, foi menor do que o de fevereiro, de 0,84%, reduzindo a inflação acumulada para 4,65% em 12 meses.

Em meio a tantas notícias ruins para o setor, os empresários ficaram animados com esses números, que sugerem até uma redução da taxa básica de juros, a Selic, mais para a frente.

Para Bentes, porém, a inflação deve voltar a ficar próxima de 6% até o final do ano por conta da elevação dos preços dos combustíveis, com grande peso no orçamento das famílias.

“Os Estados tiveram de abrir mão da receita do ICMS para permitir os descontos nas bombas, e não sabemos até que ponto isso será mantido”, diz o economista da CNC.

Os preços de referência usados para cálculo do imposto voltaram a ser alterados neste ano, pois estavam congelados desde o período mais crítico da pandemia, em 2021.

“Os preços dos combustíveis têm efeito multiplicador, contaminam a economia como um todo. Se tivermos nova rodada de aumentos, um cenário de inflação de 6% já era”, diz.

Para Dietze, a redução da inflação em março pode até indicar para o BC (Banco Central) uma taxa de juros menor, hoje de 13,75% ao ano, mas ainda elevada, terminando o ano a 12,5%.

“Se o ciclo de expansão monetária continuar em 2024, com taxas de juros menores do que 10%, aí já pode ser bom para as empresas”, afirma.

O que favorece esse cenário, diz, é o efeito estatístico na taxa anualizada da inflação, ao sair os meses de abril, maio e junho de 2022, quando teve a explosão dos preços dos combustíveis.

“O cenário está mais favorável do que há um ano, sobretudo para os setores de bens essenciais. Agora, uma alavancagem de consumo se espera mais para 2024”, diz.

CRÉDITO

Um dos indicadores que vai na contramão de um aumento de consumo, na avaliação de Silveira, é a redução na velocidade de crescimento da oferta de crédito.

A expansão do crédito girava em torno de 24%, 25% no primeiro semestre do ano passado. O crescimento neste ano está ao redor de 15%.

Para Silveira, isso quer dizer que o sistema financeiro está perdendo a confiança na economia. Outro indicador que preocupa, diz, é o atraso acima de 90 dias no pagamento das prestações.

INADIMPLÊNCIA

A taxa de inadimplência, de 3,2% sobre a carteira de empréstimos para crédito pessoal no primeiro semestre de 2022, subiu para 3,8% no segundo semestre, de acordo com o BC.

O número de consumidores inadimplentes chegou a 70,1 milhões em janeiro deste ano, 10,8 milhões de pessoas a mais do que em 2018, de acordo com Serasa Experian.

Na cidade de São Paulo, de cada 100 famílias, 23 estão com as contas em atraso, de acordo com a Fecomercio-SP. Este número já foi maior, chegando a 25 famílias em janeiro deste ano.

Antes da pandemia, no entanto, o percentual de famílias nesta situação era menor do que 20%. “Os desafios continuam, já que a inadimplência continua em patamar alto”, diz Dietze.

Para Silveira, 2023 já tem um desenho mais ou menos elaborado, com pouco espaço para mudanças de cenário.

“O efeito benéfico de uma redução de juros só aconteceria no final do ano. Não há meio de acelerar a economia brasileira neste ano. Deve ser um ano chocho”, diz.

EMPREGO E RENDA

O mercado de trabalho, na avaliação de Bentes, também não deve ajudar.

“Ainda há geração de vagas, mas numa velocidade menor. Diante das perspectivas de baixo crescimento, o mercado de trabalho tende a não aquecer”, afirma.

A massa real de rendimento do brasileiro aponta para um crescimento de 2,5% neste ano, de acordo com projeções da MacroSector.

No ano passado, o crescimento foi mais do que o dobro, de 6,6%.

“Mesmo que o governo atual mantenha os recursos do Bolsa Família de anos anteriores, o efeito na economia será pequeno”, diz Bentes.

DESORGANIZAÇÃO FINANCEIRA

Para Dietze, é bom destacar que problemas enfrentados por grandes redes do varejo podem estar mais relacionados com gestão, com desorganização financeira do que com a economia.

“Muitos comerciantes deixam os negócios nas mãos dos gerentes, não veem os erros cometidos no dia a dia, têm problemas de gestão que desencadeiam resultados ruins”, diz.

Alguns números mostram que o comércio do estado de São Paulo teve bom desempenho no ano passado.

De nove setores do varejo paulista, apenas o de móveis e decoração registrou queda no faturamento, de 1,6%, em 2022 sobre 2021. Os dados são da Sefaz-SP (Secretaria da Fazenda do estado de São Paulo).

O comércio de vestuário, tecidos e calçados está no topo do ranking, com alta de 19,7%.

Em seguida estão os setores de autopeças e acessórios (14,7%), farmácias e perfumaria (12,6%), concessionárias de veículos (10,8%) e supermercados (7,6%).

Na média, o faturamento do comércio paulista cresceu 8,1% em 2022 sobre 2021. “O melhor resultado deste 2015”, diz.

Esses dados revelam, de acordo com o assessor econômico da Fecomercio-SP, que a economia paulista pode estar mais pujante do que a do restante do país.

“O agronegócio foi bem em regiões do interior, como Ribeirão Preto, Araraquara, São José do Rio Preto. Na região de Campinas e Jundiai, o setor de logística tem puxado a economia”, diz.

Para Ruiz de Gamboa, diante deste cenário, os lojistas precisam prestar muita atenção na política de preços, já que o consumidor faz cada vez mais pesquisa antes de comprar.

“Com inflação alta e juros altos, a política de preços é fundamental, principalmente no caso de produtos mais básicos, que serão mais demandados neste ano”, afirma.